Kli Van-Kli, "Os Druidas de
Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
Ao findar o dia, Kli encontra-se novamente na estalagem, onde foi alugar um pónei para a viagem.
– Um pónei não tenho – diz Moutinho. – Mas posso arranjar-te
um burro.
– Serve.
Há secura na voz do cimbalino. Passado meio minuto, o
estalajadeiro comenta:
– Os homens do Príncipe foram bem sovados!
– Sim, é verdade. A ti, Asdrúbal, apesar de tudo, agradeço o
apoio que me deste hoje à tarde. Pode trazer-te alguns sarilhos!...
– Ora! – diz o homem, com ar de descaso. – Há tão poucas
ocasiões de uma pessoa se distrair, aqui!... Deves mais à Samara. Que coisa
espantosa, Kli, ninguém sabia que ela fosse uma arqueira!... E daquele
gabarito!
– As pessoas às vezes são mais do que parecem.
– E às vezes menos!...
Estou de acordo. Já fizeram todos os preparativos?
– Já.
– Hm! Portanto, estão mesmo decididos?
– Perfeitamente. Vamos amanhã.
Vendo que a decisão é definitiva, Asdrúbal Moutinho diz:
– Muito bem. O burro arranja-se para amanhã, bem cedo. Tenho
que ter uma conversa com ele!...
– Costumas conversar com os burros?
– De vez em quando... sobretudo quando vão para missões
perigosas. Os burros têm almas delicadas – esclarece. Depois, inclinando-se
para o cimbalino, adverte: – Cuidado, Kli! Ai de ti se os Druidas descobrem!...
Põem-te no caldeirão e comem-te aos bocados! Dizem que a Irmandade é implacável!
– Cuidado, Asdrúbal. Dizem que o Príncipe também o é –
retruca o cimbalino, com um ligeiro sorriso, e vira-se, dirigindo-se à porta.
Está já a atingi-la quando se detém ao ouvir a voz de Moutinho atrás de si:
– Kli! Antes de atravessares a Porta...
– Qual? Esta?! – admira-se ele.
O estalajadeiro ri-se. Depois, recuperando a gravidade, diz:
– Não, a outra: a Porta do Tormento Amarelo! Antes de a
atravessares, manda-me o burro para trás. – E, após uma pausa: – Não quero ficar
com um animal atormentado!
Escurece já quando duas silhuetas barbudas saem do templo em
direção à ponte. À porta aberta do edifício, Fulvo observa-os afastarem-se,
branco como a cal. Dizem eles:
– Vamos, irmão!
– Que tencionas fazer, esquartejá-lo?
Mas encolhem-se quando Kli sai da estalagem, encaminhando-se
para a casa do boticário, em frente. Vigiam-no enquanto rosnam, entre dentes:
– Ali! Lá está ele, irmão!
– É mesmo aquele?
– Não há dúvida! O estupor do sacerdote não nos enganou!
– Nem se atreveria, porra! Estava borrado de medo. Capávamos
o miserável, cozíamos-lhe os tomates!
– Dava um pitéu! He! He! Quanto àquele ali, vamos fritá-lo em azeite!
– Das orelhinhas arrebitadas faremos couratos...
– ... e das fortes perninhas dois presuntos fumados!...
Kli, tendo batido à porta, entra na casa.
– He! He! Terrível, irmão! Terrível!
– Vamos a isto! – dizem eles, avançando.
Param junto do grande carvalho, onde se dissimulam mais ou
menos. Comentam:
– Ele está lá com a miúda!
– Grande safado! Pederasta!
– Faremos uma espetada mista!
– Rreh! Rreh! Um chouricinho dele para uma carninha dela,
bem tenrinha!...
– Deixamo-los em vinha d’alhos de véspera, irmão. Com cebola,
pimento e molho de colorau, é de ficar inspirado!
Vigiam atentamente. Pouco depois, o último a falar
prepara-se para avançar:
– Vamos, irmão! Os alhos já estão descascados!
– Cuidado! – retém-no o primeiro. E eles tornam a
esconder-se atrás da árvore.
Acabam de avistar a sólida silhueta do estalajadeiro, que,
transportando ao ombro um grande machado de lâmina dupla, saiu do seu
estabelecimento e desce os degraus do alpendre.
[CONTINUA]
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