Kli Van-Kli, "Os Druidas de
Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
A lua, novamente alta no céu noturno, brilha agora sobre esparsas e velozes nuvens. Na fortaleza do Príncipe, apesar da hora tardia, há grande azáfama. No pátio, Javardo grita ordens:
– Tragam as alimárias para aqui! Cuidado com esse burro!
Aventesma de merda, não vês que estás a raspar esse escudo no chão?!
No topo do torreão, os magos, acompanhados por Carcavel,
parecem incomodados pela gritaria que chega através da janela:
– Grandessíssimo estúpido! Carrega-me essa tralha como deve
ser! Abram alas para o alazão!
– Senhor – dirige-se um dos magos ao Príncipe –, não podeis
pôr termo a isto? É impossível trabalhar assim!
– Põe-nos os nervos em franja!... – queixa-se outro.
O Príncipe vai à janela e chama, com impaciência:
– Javardo!
O interpelado olha para ele, dizendo logo:
– Senhor?! Tudo vai bem!
– Não, não vai – responde-lhe o Príncipe. – Vê lá se fazes
menos barulho! Os magos precisam de se concentrar!
O Príncipe recolhe-se, enquanto Javardo, olhando o torreão
de soslaio, com o cenho franzido, resmunga:
– Bruxos de má sorte! Maricas! Ainda vos faço engolir a barba!
Lá em cima, um dos visados confidencia a Carcavel:
– O vosso lugar-tenente tem-nos malquerença.
– Aquele vosso servo é uma fonte de perturbação – considera
outro.
– Melhor seria – pondera o terceiro – se fosse fonte de
informações... lendo-lhe nós as entranhas!...
O Príncipe tem um gesto de irritação e reclama:
– Não pensem nisso! Eu e o Javardo crescemos juntos, temos
uma relação de afecto e compreensão. E agora chega! Não precisam de ler-lhe as
entranhas para me dizer os augúrios... que, espero, sejam bons – acrescenta com
uma ameaça na voz. – Para isso já lhes dei um Esturjão.
Os três magos tossem em simultâneo. Um deles, com certo
receio, toma da palavra:
– Senhor! Podemos dizer-vos: amanhã é a hora de
avançar! Os sinais são claros. Mas...
– Mas o quê? – rosna o Príncipe. – Haverá azar? Não irei eu
reunir-me à princesa e acordá-la?
Após mais um tossicar geral, os magos retomam a compostura.
– Desculpai, Príncipe. É do fumo!...
– A verdade é que há indícios de algumas complicações –
esclarece um deles. – Será necessária a maior prudência!...
– Triplo asno! – ouvem Javardo urrar.
– Címbalo de merda! Para castigo, irás connosco!
O alvo das injúrias é um jovem servo cimbalino, de
compleição orgulhosa, que deixara escapar um burro que agora anda a escoicear
pelo pátio.
– És mais asno que aquele! – esbraveja Javardo. – Os Druidas
que te apanhem e façam picado de ti!
No salão dos bruxos, todos ficaram suspensos com aquela
interrupção.
– Calou-se – diz um deles, enfim.
– Sabeis ainda, Senhor – acrescenta outro, para Carcavel,
usando de todo o tacto de que é capaz –, que o resto do Salmo diz claramente que o destino separará a princesa do seu
libertador.
– Bah! Desde que fiquem as riquezas... – considera de
imediato Carcavel. – Além disso, o destino torce-se! Para isso conto também
convosco!... Ou será o vosso pescoço a ser torcido!...
Eles engolem em seco, enquanto o Príncipe em passo enérgico
se dirige à janela. Ali chegado, inclina-se para fora e, abrindo os braços em
exultação, grita para a criadagem:
– Ouviram? Quando
eu nasci, uma bruxa vaticinou que eu viveria até aos 100 anos! É o que pretendo
fazer!... Com a princesa a meu lado, para me servir e honrar!!
No pátio, onde se fez silêncio, Javardo zombeteia para um
subordinado:
– Nem que tenha que a amarrar à cama!... He!
He! – Depois, mais sério, medita: – Mas, após uns 40 anos de serviço e
honrarias, ela já não deverá valer grande coisa!...
Quase junto à janela de Carcavel, no piso de baixo, entrevê-se
a silhueta de Dária. Os seus olhos brilham no escuro.
[CONTINUA]
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