Kli Van-Kli, "Os Druidas de Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
É Lúcio Simplex que se aproxima.
– Passei por um esbirro do Príncipe, que com os olhos me cortou à navalha.
– Andam à procura de um perigoso assaltante cimbalino –
esclarece Moutinho. – Dão bom dinheiro por ele.
– É caso para pensar – diz Lúcio.
– Pois. Mas agora vamos para dentro. Vem tomar um copo para
tirar o pó da garganta.
E todos voltam para a mesa, acompanhados pelo recém-chegado.
Do 2º andar do torreão central da fortaleza do Príncipe, o
homem grita:
– Javardo!
Alguém repete o chamamento, para o vão da escada, com modos
brutos:
– Javardo! O
Príncipe chama!
– Javardo!... O
Príncipe! – repete, na base da
escada, um cozinheiro que vai a passar com um caldeirão nas mãos.
– Javardo! –
grita uma velha gaiteira, sentada à porta traseira do torreão, ocupada a
depenar uma galinha. – O Príncipe!
– Hem? O quê?! – pergunta o interpelado, surgindo à porta
entreaberta de uma estrebaria, levantando as calças. A sua figura bruta
corresponde ao animal que lhe dá nome, com olhos pequenos e uma robusta
mandíbula provida de salientes caninos, da qual agora respinga saliva.
– O Príncipe está a chamar-te! – avisa um miúdo todo sujo,
que luta no pátio com um amigo, ambos empunhando ferrugentos simulacros de
espada.
– Que foi, possante javardito? – inquire uma voz feminina,
rouca e quente, de dentro da estrebaria.
– Que raio, já um homem não se pode aliviar!... – resmunga
Javardo, atravessando o pátio, enquanto aperta as calças.
– É melhor que te apresses, se queres poder continuar a
aliviar-te!... – cacareja a velha, com um riso desdentado, quando ele passa por
ela, acabando de apertar as calças.
– Vai-te lixar, velha de má sorte!
– He! He! He! – ri-se ela, fazendo voar penas da
galinha.
– Aqui estou, senhor! – anuncia Javardo, pouco depois.
– Até que enfim! O que andam afinal a fazer aqueles bruxos
miseráveis?
– Vou averiguar, senhor.
– Não averigues. Aperta-os! Morde-os! Eles que se apressem,
ou só encontrarei os ossos da princesa!... Quero começar a ver resultados... ou
não preciso de bruxos para nada! E nesse caso, cozo-os no seu próprio
caldeirão!
E Javardo sai apressadamente, subindo a escada que leva ao
topo do torreão. Chegado lá a cima, ordena a um soldado que está de guarda a
uma sólida porta trancada:
– Abre!
Depois entra no vasto salão superior, ocupado agora por
objectos de feitiçaria e observação astrológica. Três magos com aspeto funesto,
de longas capas e de cabeça descoberta, examinam-no, por entre alguma fumaça do
caldeirão, enquanto ele, com uma firmeza que esconde incómodo ou temor, anuncia:
– O meu senhor acaba de anunciar uma caldeirada de bruxos,
se não tiver respostas brevemente!
– Diz ao Príncipe Carcavel que ainda hoje terá as respostas
que pretende – afirma um dos magos, sem se alterar. – Será melhor providenciar
uma caldeirada de javali!...
– De preferência com coentros – opina um segundo.
O lugar-tenente do Príncipe retira-se, roendo-se de raiva:
– Haveis de pagar-mas, bruxos de um raio!
– Será necessário um outro javali, para lermos os vaticínios nas entranhas! – diz ainda um
mago, atrás dele.
[CONTINUA]
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