Kli Van-Kli, "Os Druidas de
Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
No jardim de Apolinário, Kli e Samara passeiam. Parecem ter serenado e Kli observa, maravilhado, o pequeno reino criado e mantido pelo seu amigo boticário. Ela faz planos para a viagem:
– Cipreste, o
burro do meu pai, leva-nos rapidamente à Porta!
Ele conhece um atalho, julgo eu.
Kli, com a cabeça mais fria, parece reticente:
– Samara, eu estive a pensar melhor... no que o
estalajadeiro disse... e...
A rapariga estaca, encarando-o com um brilho duro no olhar e
uma voz exaltada:
– O quê?! Também tu me abandonas? Vocês são todos uns
cobardolas!
– Cobardolas, eu?!
– insurge-se o cimbalino. Após um momento de amuo mútuo, vendo o disparate da
situação, ele justifica-se: – Eu já te disse que um cimbalino não volta com a
palavra atrás! E não te esqueças de que Apolinário é um grande amigo meu. Além
disso… acredita, tenho outra forte razão para o encontrar!... Vir aqui a
Valmaior não foi só uma visita de cortesia.
Samara lança-lhe um olhar aparentemente desinteressado mas
que trai a sua curiosidade.
– O que vieste cá fazer, então?
Kli, de braços cruzados, olha-a francamente, como se a
medisse sob vários parâmetros.
– Bem… o teu pai prometeu-te em casamento!… – diz ele.
– O quê?! – exclama ela, abrindo os olhos com credulidade juvenil.
– Estou a brincar, tu ainda és muito nova.
– Não sou nada.
– És. Mas em outra altura falaremos sobre o que aqui me
trouxe.
Kli remete-se ao silêncio, observando no céu o voo errático
de um trio de pardais. Sim, Apolinário falara-lhe de Samara, com estranhas
evasivas. Mas falara-lhe também, em grande segredo, de misteriosos druidas,
homens encapuçados, e da fabulosa relíquia sagrada de que ele próprio era o
secreto guardião: Sirid-Ambar, uma
das sete fontes de poder e sabedoria ancestrais, a mítica e resplandecente…
– E então? – interrompe-o Samara, ansiosa. – Vais ou não
vais comigo?
– E tu, queres ou não casar comigo? – encara-a ele abertamente.
Ela enrubesce e os seus olhos cor de mel brilham.
– Ainda sou muito nova para decidir isso.
– Não és, não – replica o cimbalino, sorridente. – Em
qualquer caso, antes de tudo, convém encontrar o teu pai. Portanto, já o disse,
eu irei à sua procura!
A rapariga parece confusa:
– Mas, então?!
– O que eu queria dizer – prossegue Kli, agora sério e mais
seguro de si –, é que, mesmo não falando da Porta,
teremos que enfrentar, para além dela, os Druidas...
que, ao que consta, são criaturas terríveis! E há ainda a história das anãs brancas e gigantes vermelhas!...
– O que é isso?! – pergunta-lhe Samara, admirada e curiosa.
– Seres medonhos que talvez habitem o outro lado da Porta!
Portanto, o que eu queria dizer é que... francamente, Samara, isto não é coisa
para uma miúda!...
– Uma miúda?! – protesta ela, orgulhosa. Empina o peito,
dizendo: – Eu tenho 14... 15 anos!
Kli não pode evitar fitar-lhe os pequenos seios espetados
sob a túnica.
– Sim, vê-se!...
A seguir, retoma a caminhada. Não se apercebe que está a
falar sozinho, que a rapariga ficou para trás, enquanto ele parece discorrer
sobre um assunto filosófico:
– Mas, Samara, não se trata de um passeio no campo!...
Estamos a falar de uma missão perigosa e tu talvez não estejas preparada
para...
Detém-se porque acaba de descobrir um alvo, preso a um
tabique de madeira e até aí escondido por uma sebe florida.
– Olha, um alvo! Para que serve isto aqui?!
Mal acaba a pergunta, para seu enorme susto, uma flecha
passa-lhe de raspão e crava-se no centro do objeto: TCHAC!
– Para isso! – responde a miúda, altiva, baixando um arco.
Uma aljava com flechas repousa no chão, a seu lado, encostada a uma pedra.
Kli, espantado, admira o acerto da flecha.
– Bom, bom... – pondera ele. – Pensando melhor... talvez
possas ir comigo!
Ela salta-lhe para o pescoço toda contente, imprimindo-lhe
um beijo na cara.
– Ah, vais ver que não te arrependes!
– Espero que não. É perigoso deixar-te por aí!... Ainda
podes ferir alguém!...
Entretanto, aproxima-se da aldeia um grupo de cinco homens
sinistros e bem armados, entre os quais o gordo sovado por Kli na floresta. Ao
longe, a medo, um lavrador observa-os. No meio do silêncio que se gerou,
ouve-se um cão ladrar e ganir quando um dos homens lhe atira uma pedra.
[CONTINUA]
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