Kli Van-Kli, "Os Druidas de Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
«Uma trompa! Andam a caçar, com
este nevoeiro?!», admira-se Kli, virando instintivamente a cabeça. E, logo
depois, quando olha novamente em frente… o vulto desapareceu! Intrigadíssimo,
com o bordão a postos para se defender, o cimbalino sobe a suave colina para lá
da grande árvore, aproximando-se de onde tinha visto a aparição.
– Ora esta!... Parece magia!... Ainda agora aqui estava!
Não tem tempo para mais. Da floresta às suas costas,
chega-lhe uma série crescente de ruídos: « CRAC!
CRAC! CRAC! » E, de repente, surge do nevoeiro um enorme
javali que o atropela! Ele voa, rolando sobre a besta, indo chapéu e cajado
pelo ar. Num ápice, o animal desaparece, levantando o restolho, enquanto ele,
sentado no chão, combalido e aturdido, balbucia:
– Um... um javali!?
Mas eis que do nevoeiro saem agora cães a correr, ladrando furiosamente
em perseguição do porcino selvagem. Pulam todos por cima de Kli, que se deita
ao chão e se encolhe, protegendo a cabeça. Depois, fica ainda encolhido durante
algum tempo, enquanto os latidos se perdem na distância. E, quando se
endireita, vê um cão sentado de frente para ele, a observá-lo de cabeça
inclinada, com uma expressão de indagação canina nos olhos.
– Eles foram por ali. – diz-lhe baixinho, apontando
para onde a matilha desapareceu. – Por ali!... Vai! Vai!...
O cão fica impassível. Inclina a cabeça para o outro lado. Kli
faz menção de se levantar, agarrando o chapéu... mas o cão rosna com ar feroz.
Abruptamente, oito cavaleiros saem por sua vez do nevoeiro,
quase atropelando o cimbalino. Um Príncipe, que comanda a caçada, faz deter a
companhia com um gesto reflexo. Mas, com o ímpeto, vão todos uns de encontro
aos outros... e um enorme gordo, que vinha a correr na retaguarda, espeta-se
contra o rabo do último cavalo.
O Príncipe vocifera irritado:
– Peste de dia! Primeiro caiu este
maldito nevoeiro! E agora aparece-me um címbalo[1]
no caminho!
O Príncipe, de cabelo louro semi-longo e solto, ostenta um
torque celta ao pescoço. É um homem de vestes ricas, que exala orgulho e
arrogância. Virando ligeiramente o cavalo resfolegante, mira Kli com desprezo e
diz-lhe:
– Não gostamos de estrangeiros, címbalo. Menos ainda gostamos
de címbalos. E, verdadeiramente, não suportamos címbalos metediços, sobretudo
se são lingrinhas!
Kli, que se levantara, agarra no cajado com ambas as mãos.
– Lingrinhas, eu?! – exclama, ofendido. – Vem cá ver se não
sou robusto!
Em resposta, o Príncipe ordena ao servo gordo a pé, que está
esfalfado à sua esquerda:
– Tu! Castiga-me
esse címbalo insolente! – E aponta Kli com displicência.
O homem, erguendo um cacete e bufando “Hu! Hu!”, atira-se a Kli,
já em posição de defesa, com a potência de um gorila contra uma criança. Mas
uma flecha prateada espeta-se no chão, barrando-lhe o caminho.
– HU! – grunhe o gordo, detendo-se a
custo.
– De onde veio a seta? – pergunta o Príncipe, contrariado. –
Quem disparou?!
– Nós não fomos, Príncipe Carcavel! – respondem os homens da
comitiva, em coro e algo a medo.
O Príncipe vira-se para o gordo, que está a suar, e
ordena-lhe firmemente:
– Acaba o que ias fazer! E dá-lhe em dobro!
A isto Kli replica, enquanto o outro avança para ele:
– Tu é que vais apanhar em dobro!
E o facto é que lhe acerta duas boas pauladas, sem que o
homem se aperceba como, uma na pança e a outra na cabeça rapada:
– Um!... E dois!
O servo, a ver estrelas, cansado e suado da correria e da
pancada, derrubado por artes mágicas, cai, ofegante, com uma mão no chão e
outra na barriga.
– Hu! Hu! – grunhe ele, com notória incompreensão
estampada no rosto.
A comitiva (com o lugar-tenente do Príncipe, um tal Javardo, ao centro) ri-se do infeliz, com escárnio:
– He! He! He!... – Mas o Príncipe
fita-os, irado! E logo eles baixam a cabeça, olhando em frente, como garotos
que recebem uma reprimenda.
– Hem! –
resmungam.
Num gesto impulsivo, o Príncipe saca a sua lança e eleva-a
para a cravar no cimbalino.
– Eu próprio te vou ensinar, címbalo pestilento! – grita.
Mas, nesse instante, uma flecha prateada espeta-se no cabo
da lança, mesmo defronte da sua cara. O Príncipe, detendo o gesto, entre
estupefacto e amedrontado, mira o vulto feminino que se distingue quinze metros
à sua esquerda, de onde veio a flecha, um pouco acima de si e entre duas
árvores, no nevoeiro. A aparição, a mesma que Kli já vira, num ápice arma o
arco para novo disparo.
O cavalo do príncipe, nervoso, relincha e empina-se,
enquanto a comitiva proclama em uníssono, com medo e excitação:
– A Fada da Bruma!
O vulto tem agora o arco em posição de tiro.
O Príncipe faz um esgar, soltando a lança. E todos eles
fogem dali, incluindo o gordo e o cão, que vai a latir, com o rabo entre as
pernas.
– Ala, que se faz
tarde! – bradam os valentes homens.
[CONTINUA]
Banner: montagem com fotografia de Stefan Soell (Femjoy)
[1]
Forma desdenhosa da palavra “cimbalino”.
Viva!
ResponderEliminarvi umas imagens suas sobre Lisboa e gostaria de saber se estão disponíveis em formato poster.
obrigado
José silva
joseamsilva@gmail.com
Caro José Silva, infelizmente tais imagens não existem em formato poster.
EliminarObrigado pelo interesse e apareça sempre.