Kli Van-Kli, "Os Druidas de Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
Algum tempo mais tarde, Kli entra na aldeia, rodeada por muros baixos de pedra que confinam hortas e que se espraia de um lado e doutro de uma rua tortuosa, ao longo do rio. As casas, cerca de quarenta, são construídas com pedra e argamassa, com travejamentos em madeira e tetos de colmo. Algumas são redondas e distribuem-se um pouco a esmo, conforme as conveniências e as possibilidades de cada um. Por essa razão e não pelo curso do rio que é aí quase reto, a rua principal segue às curvas, com um ou outro cotovelo; ruelas entrecortam o lugar, por vezes atravessando os muros em direção aos campos, por vezes entroncando na rua principal.
Levantado o nevoeiro, as pessoas começam a sair à rua:
homens, mulheres e crianças; mas entre eles, como sempre, nenhum cimbalino. Todos miram com suspeita aquele bizarro
recém-chegado. Ele, sentindo-se um pouco desconfortável, pergunta a um
indivíduo estacionado no meio da rua:
– Onde é a casa do boticário?
O indivíduo, que tem traços de palerma, responde passado
algum tempo:
– É ali adiante. Apolinário, o boticário! Hii! Hii!
Kli caminha na direção indicada, seguido do palerma. Este
vai dizendo, com um sorriso idiota:
– É como chupar na mama! Não há que enganar!
Chegam os dois à casa em questão, quase no extremo da
aldeia, à porta da qual há uma tabuleta que diz “Apolinário”, por entre arranjos gráficos de ervas.
– Onde arranjaste esse chapéu? – pergunta o palerma,
descobrindo o crânio completamente calvo. – Não o queres trocar pelo meu boné?
– Não – responde Kli, examinando a fachada da casa. Por duas
vezes bateu com a argola da porta, sem resultado. Após um bocado, diz, em alta
voz, enquanto observa, estreitando os olhos, a janela do piso superior, única
por entre as abas de um telhado de colmo: – Parece que não há cá ninguém!
Efetivamente, a habitação (e loja) tem as portadas todas
fechadas. Quanto ao pátio e grande jardim que há por trás dela e que confina
com o rio, fica inacessível, em virtude do alto muro e da espessa vegetação que
o contorna.
– Hin! Hin!... –
põe-se o palerma a choramingar. – Apolinário... escafedeu-se!
De súbito, a portada da janela no piso superior entreabre-se
e uma adolescente de longo cabelo negro aparece.
– Quem é? – pergunta ela com sobranceria, simultaneamente
zangada e desconfiada.
– Eu sou Kli
Van-Kli – identifica-se o cimbalino. – Procuro Apolinário, o boticário!
– Ele não está nem sei quando volta! – responde a rapariga,
quase de imediato. E, dito isto, fecha a portada com energia.
– Mas que temperamento!... – comenta Kli, ainda a olhar para
a janela.
– É parva, parva, parva! – diz o palerma.
[CONTINUA]
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