Kli Van-Kli, "Os Druidas de Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
Kli e o homem metem-se a caminho, que entretanto se
vislumbra um pouco melhor.
– Repara, a névoa vai-se levantando – observa o homem. – Já
agora: o meu nome é Lúcio Mariano Simplex. Mas podes chamar-me simplesmente Lúcio, como os outros.
– Eu sou Kli, filho
de Van e de Kli – responde o cimbalino.
E assim vão andando, agora por uma vereda da floresta.
Passam por uma bifurcação, sem hesitar já que Lúcio sabe bem por onde vai. A
certa altura, um casal de gamos foge à sua aproximação. O homem comenta:
– Aqueles eram o Caramelo e a Amêndoa. Um casal moderno,
desembaraçado!... Mas um pouco tímido.
Kli observa os gamos a saltar, embrenhando-se na floresta,
logo seguidos de um outro, mais pequeno.
– E aquela é Rosmaninho, a filha deles – diz Lúcio. – Um bebé amoroso.
Prosseguem a caminhada e, finalmente, quando a bruma se
desvaneceu quase por completo, atingem a orla da floresta. Defronte deles e
muito para baixo, um grande vale, largo entre duas colinas laterais que se
desdobram em cumeada, oferece-se à sua vista.
– Valmaior! –
anuncia Lúcio.
Daquele elevado ponto de observação, virado a poente, a
encosta desce para o vale, onde um rio não muito caudaloso traça o seu curso.
Um riacho, seu tributário (aquele que Kli seguira durante algum tempo), surde
do bosque, afastado e algures à esquerda dos caminhantes, e vai serpenteando
por ali abaixo. Para cá dele, uma estrada também às curvas desce para uma
aldeia à beira-rio que se avista lá em baixo, a cerca de cinco ou seis
quilómetros; das chaminés sai fumo mas não se vislumbra grande movimento,
apesar de a manhã já ir alta. No outro lado do rio, em plena encosta de mato
rasteiro, há uma edificação redonda, de pedra, à qual conduz um caminho vindo
da aldeia e que passa por uma pequena ponte. Parece ser um templo, com uma ara
no hemiciclo exterior.
De um lado e do outro, a sul e a norte, elevam-se grandes
colinas matizadas em tons de Outono. Pelas vizinhanças da aldeia estende-se
terreno cultivado, entremeado de casas e de pequenas hortas onde camponeses se
afadigam. Aqui e acolá nas colinas distribuem-se também algumas plantações,
incluindo vinhas. Vacas, bois, carneiros e poucos cavalos pastam pelos campos,
antes de as encostas se tornarem muito íngremes – ali, nos cimos pedregosos
onde só as cabras e os seus guardadores conseguem saltitar. Mais ao fundo, a
vegetação adensa-se, reaparecendo uma floresta, que cobre e esconde o chão do
vale; nela mergulha o rio, ladeado por uma estrada que sai da aldeia, para só
se revelar – ou melhor, adivinhar – esporadicamente. Ao longe, a cerca de 15
quilómetros da aldeia, dir-se-ia pelo alinhamento das árvores que um afluente
se junta ao rio, vindo de noroeste, de uma depressão oblíqua à direita. Logo
depois, o vale desvanece-se numa série de colinas coroadas por um enorme cabeço
que o divide decididamente em dois. Aí, bastante longe, o duplo vale descreve
uma curva para a esquerda, desaparecendo da vista atrás de vertentes cada vez
mais escarpadas. No ramal esquerdo divisa-se o rio, que prossegue solitário
para sul, por entre as réstias de neblina que repousam sobre as faldas rochosas
e as copas das árvores. A estrada já não o acompanha.
Quando começam a descer a encosta em direcção à aldeia, o
homem despede-se do cimbalino:
– Adeus, amigo. Eu regresso à aldeia mais tarde. Apresenta
recomendações minhas ao Asdrúbal Moutinho, o estalajadeiro.
E, assim, Kli prossegue a descida sozinho. A colina é
coberta de ervas, arbustos e plantas baixas, e ainda de muitas pedras, por
entre as quais circula uma grande diversidade de animais. Kli avista uma lebre,
muitos lagartos e lagartixas, um rato e um gato selvagem; adivinha mourões e
centopeias a rodearem as pedras, na humidade da terra. Ouve grilos trinarem e o
barulho que acompanha os saltos dos gafanhotos. Pressente uma cobra desviar-se
do seu caminho. E, como quase sempre nessas horas matinais, no espaço aberto,
sente prazer em encher o peito de ar fresco e revigorante, uma sensação de
renascer a cada manhã. Um novo dia é quase sempre uma promessa e, nessas
circunstâncias, haja o que houver, tudo nos parece ir correr pelo melhor.
Enquanto o cimbalino passa, duas coelhas, um pouco afastadas
dele, conversam:
– Ah, minha amiga, o Adalberto é um incansável saltitão!...
Está sempre a querer saltar-me para cima! – diz uma, a modo de queixa.
– Quem me dera que o Arnaldo fizesse o mesmo, comadre!... –
responde a outra. – mas ele é tão pastelão!…
[CONTINUA]
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