Kli Van-Kli, "Os Druidas de
Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
Com aquele alvoroço, a porta do templo entreabre-se e a
cabeça de Fulvo surge timidamente.
– O que se passa? – perguntam lá de dentro.
Ouve-se o palerma gritar: – Toma! Idiota! Sabujo!
Ornitorrinco!
– O címbalo e o Asdrúbal estão em maus lençóis – diz o
sacerdote, com um esgar cínico na face.
O adversário de Kli tem-no à sua mercê. Exulta já e
prepara-se para dar o golpe de misericórdia quando... uma seta se lhe espeta no
rabo! O homem grita. E Kli avista, a alguma distância, Samara equipada com o
seu arco. Com ar orgulhoso, acaba de disparar.
No templo, Fulvo também viu aquilo e abre os olhos de
espanto.
– A filha do Apolinário acertou uma flecha no rabo de um
deles!! – exclama.
– Uma flecha?! –
responde Astolfo, cuja cabeça aparece também à porta. – No rabo de quem?!
– A filha do Apolinário?!
– admira-se alguém, lá dentro.
“Samara, jovem
arqueira, interveio a tempo, trespassando o glúteo do inimigo com uma pontaria
assombrosa”.
Kli, sem perder tempo, dá uma tremenda paulada no gordo, que
desfalece. Mas outro deles, o que levara a pedrada de Aderbal, já se recompôs o
suficiente para se atirar ao cimbalino pelas costas, brandindo uma faca.
Uma segunda seta corta o ar, “e a arqueira arrancou-lhe a
faca da mão!...”
– Como Guilherme Tell
com a maçã – diz o palerma, com um sorriso de orelha a orelha.
O estalajadeiro, num vigoroso golpe, aligeira o adversário
da sua espada. Foi a conta para este, já alarmado com o que se passava à sua
volta. Cai de joelhos, suplicando a Asdrúbal:
– Piedade, poderoso senhor!
– Põe-te a andar, miserável! – riposta Asdrúbal. O homem
vira-se logo, para fugir, e o estalajadeiro acerta-lhe um pontapé no traseiro,
dizendo: – Ou antes, a correr!...
E ele sai a correr, na peugada do da faca e do da seta no
rabo, que já atravessa a ponte.
– Viva! – grita,
eufórico, o palerma. – Servos de merda!
Apóstolos!
Tomado de pânico, ao ver os três homens aproximarem-se,
Fulvo fecha a porta do templo.
– Fulvo, assim não vemos nada! – reclama alguém lá de
dentro.
– Não há nada para ver!
– Triplos cabrões! Vão
pastar na pedra! – invectiva o palerma, agitando o punho em direcção aos
servos do Príncipe que fogem para as encostas.
– Ontem foi um... E hoje são três! – comenta um pastor, para
o colega, ao vê-los passar.
– Amanhã serão talvez cinco, ou nove!... – responde o outro,
apoiando o queixo sobre as mãos e estas sobre o topo do bordão. É sabido que
foi com a contagem de ovelhas que se desenvolveu o cálculo e a noção de número.
Quando os fugitivos já vão longe, a porta do templo
reabre-se e Fulvo espreita cá para fora.
– Então? – pergunta alguém lá de dentro.
Vendo que não há perigo, saem todos para o ar livre e
põem-se a observar os três esbirros do Príncipe que são agora perseguidos pelo
cão de um pastor.
– Canalhas! Ponham-se a léguas[1]!
– grita Astolfo.
– Morde-os, Valente! –
incita Lila, embora o cão, muito longe, não a possa ouvir.
Olham então para os lados da grande árvore, onde Kli, Samara
e Asdrúbal estão agora reunidos. Lúcio Simplex, Amílcar e Elissa, vindo
apressadamente da estalagem, dirigem-se ao trio.
[CONTINUA]
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