Kli Van-Kli, "Os Druidas de
Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
Passado um bocado, está o palerma sentado à grande mesa, a
escrever, rodeado pela turba, que se atropela para ver o fenómeno.
– O que está ele a escrever? – quer saber Elissa, a filha de
Asdrúbal, de 12 anos.
– Chiu! – ordena asperamente Lúcio, que não tira os olhos do
velho bocado de pergaminho em que Apuleio escreve.
Asdrúbal Moutinho, que conseguiu um lugar para si, para a
filha e para Kli logo atrás e à direita do “escritor”, explica ao cimbalino num
murmúrio:
– Aqui na aldeia, apenas o Lúcio sabe escrever... e alguns
outros, como Apolinário e Samara, que ele ensinou. E o palerma, quando tem
estes ataques.
– Ah! – exclama Kli, fazendo-se luz no seu espírito. – Ele
recebe mensagens do Ashtai-Din!
– Desse, não sei – diz Lúcio, a meia-voz. – Já apareceram
coisas de um escriba egípcio, outras de um tal Shakespeare, se não me engano,
e... também umas coisas sem nexo de um tal... Einstein. Não conheço nenhum
deles.
– Mas... – vai a dizer Kli, sendo interrompido por Lúcio:
– Chiu! Ele está a concentrar-se!...
Realmente, Apuleio, fazendo um esgar, parece revistar os
recantos de um talento escondido. Depois, com uma expressão beatífica, retoma a
escrita, lenta mas segura. Kli aproveita para sussurrar ao estalajadeiro:
– Ashtai-Din é
aquilo que vocês chamam a Terra dos
Espíritos.
– Ah!... – diz Asdrúbal, arqueando as sobrancelhas com ar de
entendimento.
Subitamente, a tarefa de Apuleio dá-se por terminada e ele,
com um suspiro, debruça-se sobre a mesa e deixa-se desvanecer. Não tarda um
segundo e ei-lo já a ressonar.
Lúcio Simplex lança logo mão à folha, presa sob o braço
esquerdo do idiota, e passa os olhos por ela.
– O que é? O que é? – todos querem saber.
– Uma mensagem de Hipericão – anuncia Lúcio Simplex.
O espanto é geral:
– Oooh!...
E Kli pergunta a Asdrúbal Moutinho:
– Hipericão não é
o autor do tal Salmo?
– É. E é também uma erva, de grande poder para
banir e exorcizar espíritos. Tenho-a aí à venda, se quiseres.
– Deixem ouvir a mensagem! – resmunga Mirthô, a mulher de
Asdrúbal, ao lado dele.
E Lúcio lê:
Vós, espíritos loquazes e mortais,
ouvi o que eu, Hipericão, tenho a dizer:
Em breve cumprir-se-á o destino!
Não ofendeis os deuses dos bosques
com gestos vis e vãs promessas;
pois será fria e irremediável a sua resposta.
Da forja sagrada já saiu o ferro,
moldado e comprido,
que às lendas dará forma
e à mulher o corpo real.
Escutai o que diz a Terra e a Lua.
E olhai as estrelas do céu,
pois é chegada a era das supernovas,
gigantes vermelhas e anãs brancas!
Vós, espíritos loquazes e mortais,
Queimai uma erva em minha honra.
[CONTINUA]
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