Kli Van-Kli, "Os Druidas de
Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
No dia seguinte, logo de manhã, Kli visita o grande jardim de Apolinário, nas traseiras da casa, em que este cultiva uma infinidade de plantas medicinais, ervas e flores. Uma densa sebe delimita o jardim, escondendo-o da vizinhança e do rio que o bordeja a sul, com o qual comunica por um portão.
Samara, que entretanto acordou, abre a janela do seu quarto,
virada para o jardim, no piso superior, e pisca os olhos à luz do dia. Espreguiça-se,
vendo-se-lhe o torso nu.
« De facto, já não é uma miudinha!... », pensa Kli,
observando os seus bonitos seios de adolescente. A recordação do estranho
incidente da madrugada, fosse realmente um incidente ou apenas um perturbador
sentimento, só em parte foi esbatida pela bela manhã que agora se segue, de céu
azul e sol coruscante.
Ela avista-o e cora.
– Kli! Oh! Estás aí?! – exclama. E
desaparece. Volta, pouco depois, cobrindo o peito com a túnica
vermelha. – Não devias andar aí! O meu pai não quer ninguém no seu jardim!...
Nem eu!
– Desculpa! Olá, bom dia!…
Kli dirige-se à porta da casa, que dá para a cozinha e que
fica quase por baixo da janela da rapariga.
– Vou já para dentro – apressa-se ele a dizer.
Está lá dentro há um momento, a olhar para fora pelo vão da
porta, quando ouve uma cantilena vinda de cima:
– Tirili-lalá-lalá!...
O cimbalino não resiste a espreitar; adianta-se um passo
para fora. Lá em cima, na janela, vista em contrapicado e banhada pelo sol a
leste, Samara, novamente nua, espraia os longos cabelos e abre os braços em
saudação ao disco luminoso. Entoa ela:
– Oh, sol brilhante e bonito!
Que um bom dia traga a tua luz!
Tirili-lalá-lalá...
Fala-me de tudo o que está escrito,
Do que eu nunca soube nem supus.
Tirili-lalá-lalá!
Kli, distraído pela figura da rapariga, não liga à leve mas
desagradável impressão que nele assoma e desaparece. Sorri e, voltando para
dentro, põe-se também a trautear, baixinho: – Tirili-lalá-lalá!...
Mas ouve novamente a voz de Samara, agora um pouco mais
sumida:
– E traz-me notícias do meu
pai...
Antes que chegue a noite que cai.
(Passado um bocado, tristemente: – Tirili-lalá-lalá...)
De súbito ela solta um grito e chama por ele. Kli,
sobressaltado, sai e vê-a debruçada à janela, com uma mão agarrando o beiral e
com a outra cobrindo-se desajeitadamente com a túnica. Perturbada, com a voz a
tremer, pergunta:
– Kli, tu… vieste ao meu quarto… durante a noite?
Após um momento, com o coração acelerado, o cimbalino
responde:
– Sim, fui, porque…
– Foste tu que me tiraste o anel? – dispara ela, abrindo os
olhos e franzindo as sobrancelhas.
– Eu?! Não! Qual anel? Ah, o anel! – exclama Kli; e pergunta, intrigado: – Desapareceu?!
– Foi roubado! E não havia mais ninguém nesta casa!
Kli, após um momento de indignação, recupera a calma e
replica:
– Samara, se eu te tivesse roubado o anel, já cá não estava.
Não achas? Estaria longe, na floresta!
Ela resmunga e, apercebendo-se da sua nudez parcial, reentra
um pouco, não o perdendo de vista e protegendo o peito com os braços sobre a
túnica.
– Procura bem – aconselha Kli e recorda-se da estranha
experiência dessa madrugada. – E espero que o encontres. Senão…
Samara
retira-se para dentro, rezingando enquanto atira a roupa para cima da cama:
– Só me faltava ter albergado um ladrão!
Num instante de inspiração, espreita debaixo da cama e com
grande alívio ali vê o anel a brilhar docemente.
– Encontrei-o! – exclama ela, também para alívio do
cimbalino. Põe-no imediatamente no dedo e senta-se sobre as pernas dobradas.
Faz beicinho, experimentando um sentimento de remorso pela acusação que
dirigira ao seu hóspede.
[CONTINUA]
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