Kli Van-Kli, "Os Druidas de Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr
Na estalagem, após uma pausa, e a propósito de Valmenor e
dos “Druidas de mau agoiro”, a conversa (que, já então se dizia, é
como as cerejas) volta novamente a Apolinário. Kli fica a saber que era
frequente o boticário, na sua busca e colheita de ervas, aproximar-se demasiado
da fronteira de Valmenor. Às vezes, acompanhado da filha. A opinião geral é
que, no dia em que desapareceu, ou foi raptado pelos Druidas ou aniquilado
pelas energias maléficas da Porta.
– Talvez tenha sido melhor se tiver sido logo aniquilado!...
– alvitra um dos presentes.
Mas Asdrúbal Moutinho contraria esta opinião:
– A Porta não
aniquila, ao que eu saiba. Atormenta!
Kli, acabada a refeição, fica a matutar um pouco na
gravidade da questão. Depois, levanta-se e prepara-se para sair, pagando ao
estalajadeiro.
– Bom, vou-me embora. Vou dar uma volta. E ver se, depois, a
pequena Samara me abre a sua porta.
– Vou contigo! – diz logo o palerma.
– Diz-lhe que vais da minha parte – aconselha o
estalajadeiro. – Talvez ajude. Embora ela ande aborrecida connosco!
Enquanto o cimbalino se retira, o estalajadeiro, com a mão
no ombro do filho, observa-o, murmurando: – Lá vai ele! É melhor assim, talvez
me evite mais problemas com o Príncipe!...
Todos parecem experimentar o mesmo alívio que Asdrúbal
Moutinho.
Chegado à rua, após descer os degraus do alpendre, Kli vai
caminhando, algo absorto em pensamentos.
– Ali adiante acaba a aldeia! – avisa Apuleio, anunciando o
óbvio. Aponta para um poderoso e vetusto carvalho que se eleva dez metros
adiante da casa do boticário, um pouco para dentro da rua irregular; logo
depois, do lado esquerdo, uma ponte de pedra transpõe o rio. Daí em diante a
rua transforma-se em estrada, ladeada à direita por um muro baixo, que avança para
além dele e se interna na floresta a menos de cem metros.
– Quem é o guardião daquele templo e daquela ara? – pergunta
Kli, apontando o edifício redondo que se ergue na ligeira inclinação da encosta
para lá da pequena ponte, à direita do caminho.
– O guardão? –
balbucia o palerma, confuso. – O guarda é o sacerdote Fulvo. Mas não é muito
grande, he, he! É só um guardinha!
Como que respondendo à curiosidade do cimbalino, surge à
porta do templo, um indivíduo baixo, sem barba e de cabelo grisalho. Desaparece
no interior, quando Kli para lá se dirige, atravessando a ponte.
– Olá! – anuncia-se Kli, soerguendo o cajado.
O sacerdote reaparece enfim. Não está visivelmente à
vontade.
– Vai seguindo o teu caminho, cimbalino. Tenho muitas
ocupações e pouco tempo para as cumprir.
– É amigo do Apolinário! – esclarece o palerma. – A Samara,
que é parva, não o quer deixar entrar!
– O Apolinário segue os seus próprios deuses – diz secamente
o homenzinho. – Talvez já se tenha arrependido. Quanto à Samara, também não é
boa rés!...
– E qual é o teu deus, Fulvo?
– Já sabes o meu nome, que é mais do que eu sei de ti. Fica
sabendo ainda que o deus desta região é o único que merece esse nome: Hobahl!
E, se quiseres oferecer algum sacrifício, fica sabendo também que Hobahl é exigente.
E depois, sem se despedir, vira costas e retira-se para
dentro do templo.
– Deve ser, a avaliar pelo sacerdote que tem!... – comenta
Kli para si próprio.
Mas o palerma ouviu; e, enquanto se vão embora, em direcção
à ponte, vai cantarolando:
– O Fulvo não é guardão!...
O Fulvo não é guardão!...
Acabam justamente de atravessar a ponte, quando o servo do
príncipe que aparecera na estalagem surge de trás do enorme carvalho. Está
apenas a dois metros e armado de uma faca.
[CONTINUA]
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